Quando
finalmente me formei e consegui obter autorização da ordem dos advogados do
Brasil para exercer a profissão, chegou o dia em que eu deveria fazer meu
primeiro júri, ou seja, deveria defender um cidadão com uma ficha criminal
extensa, perante um conselho de sentença composto por sete cidadãos, que eu
jamais vira, sorteados entre a população local. Minha tarefa era simples, eu
tinha que convencer aquelas sete criaturas ou no mínimo quatro delas, que
aquele homem dessa vez era inocente.
Bem,
eu saí de casa nesse dia fatídico, após uma noite praticamente insone, com
destino ao tribunal, estava tão nervosa que as pernas já quase que não
obedeciam ao comando da mente. Um colega deveria dividir comigo o suplício, e
eu esperava encontra-lo seguro de si e pronto para me tirar daquele penoso
estado de nervos. Contudo, para o meu total e absoluto desespero, encontrei-o
lívido e trêmulo. Assim que me viu, declarou a necessidade de ter que ir lá
fora, para tomar uma "cachaçinha" sob a alegação de que somente dessa
forma conseguiria acalmar-se. Eu então, mentalmente, contei até cinquenta e me
sentei, já consciente da responsabilidade e do possível vexame caso não
controlasse meu insubordinado sistema nervoso.
O
meu colega só retornou quando o juiz presidente iniciou a sessão, deve ter
ingerido bem mais que uma "cachaçinha" porque o hálito era pura
aguardente. Eu tentava conter o pânico que começava a invadir-me. Em uma fração
de segundos cogitei pedir adiamento do júri, mas seria absurdamente ridículo
fazê-lo sob a alegação de nervosismo, embriaguez do colega ou qualquer coisa
que o valha. Cogitei, ainda, sair simplesmente do recinto e não retornar mais,
isso, porém seria o cúmulo da covardia e gosto de acreditar que essa
característica não faz parte de minha personalidade, por isso fiquei.
O
juiz, para completar o quadro dantesco, dirigiu-se a nós dois e, solenemente,
informou que se ele considerasse que o réu não foi adequadamente defendido, o
júri seria anulado e, num golpe fatal, do alto de sua magnanimidade, perguntou
se já havíamos atuado no tribunal do júri outras vezes e se desejávamos pedir
adiamento para estudar mais o famigerado processo.
Nesse
momento, me senti fortemente desafiada! A temível benevolência do magistrado
para com os iniciantes instigou-me e, movida por um orgulho que me é genético,
menti. Declarei com solene veemência já haver tido experiência no Tribunal do
Júri e solicitei a continuação do julgamento. O meu colega, deixou-se cair na
cadeira, lívido e silencioso.
Após
o inflamado e teatral discurso acusatório da promotoria, o meu colega iniciou
sua defesa. Entretanto, suas frases não fizeram qualquer sentido, sem dúvida
como resultado da avalanche de emoções que o assolaram naquela manhã e
obviamente em razão do teor alcoólico que inoportunamente circulava em seu
sangue. Não pude deixá-lo continuar, de modo que, em determinado momento, tomei
a palavra.
Analisei
todo o processo e ataquei veementemente cada falha da promotoria. A simples ideai
de sucumbir ao nervosismo e prejudicar a defesa me forneceu uma coragem e eloquência
que eu não sabia possuir. Sei que foi assim, porque, depois, me parabenizaram e
meu colega, já recuperado, contou-me alguns detalhes que eu mesma já não
recordava. Na realidade, não recordo exatamente o que disse durante o discurso
porque, naquele momento, o fiz por puro instinto e na defesa desesperada da
nossa reputação.
O
cliente foi condenado, por quatro votos a três. É preciso ressaltar que as
possibilidades de ser absolvido eram tão remotas quanto às chances de chegarmos
calmos no primeiro júri de nossas vidas, todavia, conseguimos convencer três
jurados de sua inocência, de modo que foi possível recorrer da condenação.
O
meu colega não quis mais atuar nessa área do direito, temendo ter que se tornar
um alcoólatra se quisesse fazê-lo. Eu continuei aceitando uns casos e outros
como forma de exercitar o autocontrole.
Monica Gomes
Teixeira Campello de Souza
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